Conforme determinação da Norma Regulamentadora, empresas e indústrias têm atualizado a documentação de suas instalações elétricas; no entanto, por inúmeras vezes, a estrutura física é esquecida pelos profissionais.
No Brasil, inúmeros acidentes de origem elétrica ocorrem devido à falta de atenção em relação às normas ou até mesmo pela falta de conhecimento técnico dos profissionais com sua própria segurança. Pensando em mudar esse cenário de irregularidades e, consequentemente, diminuir o número de tragédias, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) publicou a Norma Regulamentadora nº 10 (Segurança em Instalações e Serviços em Eletricidade). A NR-10 determina que condições mínimas e sistemas preventivos sejam utilizados pelos profissionais que interajam direta ou indiretamente com as instalações elétricas.
Após sua última atualização, em 2004, a NR-10 passou por um aperfeiçoamento; entretanto, segundo especialistas do segmento, a norma ainda está longe de ser um modelo ideal de eficiência das instalações elétricas e comprometimento das empresas e indústrias. As companhias têm atualizado suas documentações, tais como àquelas que indicam o sistema elétrico existente nas edificações e o documento referente aos empregados autorizados a executar serviços elétricos. No entanto, adaptar a parte estrutural das instalações demanda um alto investimento, desse modo, as empresas deixam de lado a parte física da instalação, portanto, o ponto mais importante fica esquecido.
Além da NR-10, existem mais 35 normas relativas à segurança e medicina do trabalho. Todas as NRs devem ser observadas obrigatoriamente pelas empresas privadas e públicas e pelos órgãos públicos da administração direta e indireta, bem como pelos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, que tenham empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A revisão da NR-10 de 2004 alterou a redação anterior publicada por meio da Portaria nº 3.214, em 1978.
De acordo com o documento Manual de Auxílio na Interpretação e Aplicação da NR-10, a necessidade de atualizar a Norma regulamentadora teve fundamento devido à grande transformação organizacional do trabalho, ocorrida no setor elétrico a partir da década de 1990, em especial no ano de 1998, período em que se iniciou o processo de privatização do setor, trazendo consigo outras áreas e atividades econômicas.
Outro ponto que incentivou o desenvolvimento da NR-10 foi tentar diminuir o número de acidentes elétricos ocorridos no País. Atualmente, não há números oficiais de ocorrências de origem elétrica; no entanto, por meio de notícias divulgadas nos veículos de mídia, é possível perceber que a quantidade de acidentes é alarmante.
“São inúmeras as dificuldades que impedem o bom andamento da NR-10. Posso destacar a falta de comprometimento de muitas empresas, visto que há a necessidade de investimentos, seja da ordem técnica ou de pessoal. Algumas companhias do setor elétrico utilizam argumentos próprios para justificarem o não atendimento a Norma. A ausência de uma política de responsabilidades faz com que muitos optem pelo não cumprimento da norma”, destaca Aguinaldo Bizzo de Almeida, engenheiro eletricista e de segurança do trabalho.
Conforme dados publicados pela Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel), em 2013, ocorreram cerca de 590 mortes por choque elétrico no Brasil. Os dados são obtidos por meio da ferramenta de alerta de notícias do Google. A Associação utiliza palavras chave, tais como choque elétrico, eletrocutado (a), curto-circuito, incêndio etc.
De acordo com a Portaria da NR-10, em todas as intervenções em instalações elétricas devem ser adotadas medidas preventivas de controle do risco elétrico e de outros riscos adicionais, mediante técnicas de análise de risco, de forma a garantir a segurança e a saúde no trabalho. As medidas de controle adotadas devem integrar-se às demais iniciativas da empresa, no âmbito da preservação da segurança, da saúde e do meio ambiente do trabalho.
No Brasil, alguns estabelecimentos não têm a documentação obrigatória de sua instalação elétrica, até mesmo pelo fato das construções serem antigas; já as grandes organizações dispõem do documento, porém desatualizado. A NR-10 determina que as empresas mantenham os esquemas unifilares das instalações elétricas atualizados, com as especificações do sistema de aterramento e demais equipamentos e dispositivos de proteção.
“Os requisitos da NR-10 devem ser aplicados às fases de geração, transmissão, distribuição e consumo, incluindo as etapas de projeto, construção, montagem, operação e manutenção das instalações elétricas e quaisquer trabalhos realizados nas suas proximidades. Devem ser consideradas todas as instalações elétricas alimentadas em tensão igual ou superior a 50V em corrente alternada ou 120V em corrente contínua”, explica Rodrigo B. C. Marques, engenheiro eletricista.
Com a finalidade de acompanhar a implementação e propor adequações necessárias ao aperfeiçoamento da NR-10 foi criada a Comissão Permanente Nacional de Segurança em Energia Elétrica (CPNSEE).
De acordo com Aguinaldo Bizzo, a Comissão está parada há cerca de um ano e sem previsão para que suas atividades sejam retomadas. No entanto, estão sendo realizadas reuniões periódicas por um grupo tripartite. “Ainda que a CPNSEE recomece os trabalhos e obtenha algum êxito, será necessário que o grupo tenha representantes da indústria com conhecimento técnico. Observo que na Comissão predominam profissionais de concessionárias de energia que visam a resolução de problemas apenas desse setor”, opina.
Um dos assuntos que está em pauta sobre a NR-10 é a necessidade de sua atualização ou não. Alguns especialistas acreditam que a norma está completa de modo que não é preciso revisá-la; no entanto, outros profissionais entendem que é importante sim que a norma, após dez anos de sua última revisão, seja reeditada. “Em minha opinião a NR-10 deve ser revisada, sim. Nesses dez anos em que vigora, já foi possível perceber falhas em seu texto e a adaptação cabe aos profissionais envolvidos na sua aplicação dentro das empresas e indústrias”, comenta Rodrigo Marques.
A fiscalização da Norma regulamentadora nº 10 é de responsabilidade legal das superintendências regionais do trabalho ligadas ao Ministério do Trabalho e Emprego. O agente de inspeção do trabalho, com base em critérios técnicos, poderá notificar os empregadores, concedendo prazos para a correção das irregularidades. O prazo para cumprimento dos itens notificados deverá ser limitado em sessenta dias.
É importante mencionar que algumas companhias e indústrias apenas cumprem os requisitos da Norma quando correm o risco de sofrer alguma autuação fiscal e, por conseguinte, financeira. No Brasil, culturalmente, as normas são respeitadas e cumpridas apenas caso afete o lado econômico, isso é válido tanto para empresas quanto para a sociedade em geral. “O brasileiro tem o mau hábito de burlar as leis e, consequentemente, não faz o que é certo. A NR-10 foi revisada em 2004, e acredito que hoje não há a necessidade de atualizar a norma. Sempre penso na NR-10 como um documento cujo objetivo principal é a segurança elétrica”, comenta Edson Martinho.
Uma das ações do governo no sentido de evitar acidentes elétricos com os trabalhadores, assim como em outras áreas, foi criar o Plano Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho. A Comissão Tripartite de Saúde e Segurança no Trabalho (CTSST), instituída em 2008, representa um marco no direito social básico que é a segurança e a saúde do trabalhador.
A Comissão é composta paritariamente por representações de governo, trabalhadores e empregadores, cuja meta é de trabalhar no sentido de definir diretrizes para uma atuação coerente e sistemática do Estado na promoção do trabalho seguro e saudável e na prevenção
dos acidentes e doenças relacionadas ao dia a dia do trabalhador. “A responsabilidade de fiscalizar dentro das empresas é do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT) – na figura do engenheiro de segurança ou técnico de segurança do trabalho. Tais profissionais devem alertar a diretoria sobre as necessidades de cumprimento de todas as NRs que se aplicam ao estabelecimento”, esclarece Rodrigo Marques.
Um dos pontos avaliados de maneira negativa pelos especialistas do setor é o fato de os cursos e treinamentos sobre NR-10 terem se tornado apenas um modelo de lucro e comércio. Dessa maneira, não é difícil encontrar profissionais que estão em contato com as instalações elétricas; todavia sem a devida qualificação técnica e capacitação formal. “Os treinamentos são muito falhos e, inclusive, em sua grande maioria são feitos somente para cumprir tabela, ou seja, não oferecem benefício nenhum ao funcionário. Portanto, acredito que muitos cursos de NR-10 não oferecem o ensino adequado para os participantes, de modo que os alunos finalizam o treinamento sem o conhecimento técnico necessário”, comenta Edson Martinho, diretor-executivo da Abracopel.
A norma estabelece que o trabalhador tenha conhecimentos mínimos em prevenção de acidentes elétricos, antecipação de riscos, prevenção e combate a incêndios, primeiros socorros etc. A carga horária do curso básico é de 40 horas. O módulo complementar, com 40 horas adicionais, é destinado aos trabalhadores envolvidos com instalações elétricas do Sistema Elétrico de Potência (SEP). “Acredito que os pontos principais em relação às informações da NR-10 são: o aterramento, desernegização e os Dispositivos DR. Outro ponto que não deve ser deixado de lado pelas escolas que oferecem treinamento em NR-10 é a utilização de EPIs, inclusive em baixa tensão. É válido lembrar que baixa tensão também pode matar e é, justamente nesse ponto que eu observo que os profissionais falham”, explica Valdir Salina Osvaldo de Carvalho, técnico em eletrotécnica e professor da Escola Senai Orlando Laviero Ferraioulo, localizada em São Paulo (SP).
Os profissionais que atuam com serviços em eletricidade devem regularmente passar por cursos de reciclagem da NR-10. A carga horária prevista para esse módulo é de 20 horas. Atualmente, existe um interesse muito grande por parte dos profissionais da área elétrica. O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) forma – somente na unidade Orlando Laviero Ferraioulo -, cerca de 70 alunos por mês no curso básico de NR-10. “Acredito que é muito importante que o aluno tenha o mínimo de conhecimento em relação às normas técnicas, porque a NR-10 as utiliza como base. Tenho o hábito de dizer que essa Norma diz o que o profissional deve fazer e a norma técnica, a NBR 5410, por exemplo, orienta a maneira como o eletricista deve fazer. A NR-10 determina que é necessário garantir a segurança de quem trabalha com eletricidade; todavia, o modo de como essa segurança deve ser feita está detalhado na NBR 5410”, elucida Edson Martinho.
O curso básico de NR-10 possui uma programação mínima obrigatória, onde assuntos, como introdução à segurança com eletricidade, medidas de controle do risco elétrico, equipamentos de proteção individual etc., precisam compulsoriamente ser debatidos com os alunos. Já o curso complementar de mais 40 horas (SEP) tem como pré-requisito que o aluno tenha participado, com aproveitamento satisfatório, do curso básico.
A atuação de profissionais sem a devida preparação técnica ou capacitação é comum em diversos setores, e isso não é diferente para os trabalhadores que atuam com a eletricidade. Inclusive, por vezes, o ensino básico é um fator que atrapalha os avanços técnicos do profissional, visto que algumas noções básicas deveriam ser aprendidas na escola básica.
Mas de que maneira o conhecimento básico pode afetar no curso de aperfeiçoamento profissional da NR-10? Segundo especialistas do setor, a precariedade do ensino fundamental e/ou médio prejudica consideravelmente o progresso do indivíduo na capacitação profissional. “Posso afirmar que há um número excessivo de profissionais que atuam com eletricidade que não estão corretamente capacitados. E esse problema faz com que, mesmo com tantos cursos de segurança elétrica as estatísticas de acidentes continuem a crescer”, esclarece Rodrigo Marques.
Para incentivar a correta formação dos profissionais que atuam com eletricidade é importante que as próprias empresas ou indústrias impulsionem essa capacitação. Atualmente, as empresas têm o péssimo hábito de contratar serviços terceirizados sem a devida comprovação de formação do profissional. “É fundamental que as companhias e indústrias exijam que as prestadoras de serviços, principalmente as que estão realizando atividades na elaboração do Relatório Técnico das Instalações Elétricas (RTI), possuam um profissional habilitado como responsável”, esclarece Bizzo.
Ainda de acordo com ele, lamentavelmente existem inúmeras companhias prestando serviços de engenharia sem ter um engenheiro eletricista responsável em seu quadro próprio. Dessa forma as companhias contratam alguém apenas para emitir uma Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), onde infelizmente muitos engenheiros se sujeitam a isso, e o que é pior, as empresas contratam esse tipo de serviço.
A NR-10 utiliza como base as normas NBR 5410 e NBR 14039, ambas publicadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). É imprescindível que o profissional que atue com eletricidade tenha o mínimo de conhecimento dessas duas normas, pois são elas que regem a área de baixa e média tensão. “A Norma regulamentadora nº 10 é baseada em um texto que permite uma grande amplitude de aplicações e, por isso, não contém temas muito específicos. Para entender e aplicar os requisitos da Norma, os profissionais envolvidos devem conhecer eletricidade com bastante clareza. Somente assim poderão diferenciar as particularidades de cada situação que deverá ser documentada”, explica Rodrigo Marques.
Outro ponto levantado pela NR-10 é a atuação dos eletricistas sem a supervisão de profissionais habilitados. Dessa maneira, é imprescindível que haja a presença de um engenheiro eletricista, tecnólogo ou técnico que supervisione o trabalho do eletricista, que por sua vez precisa ter sido qualificado pelo profissional correto.